quinta-feira, 27 de outubro de 2011

dia dos professores


A escola onde eu trabalho é muito especial mesmo. Resolveu comemorar o dia das crianças no dia dos professores. Todos trabalhamos.
Foi uma festa linda. Muitos adultos puderam lembrar como era ser criança, alguns até ficaram crianças mesmo.
Muitas crianças brincaram de ser adultos, treinaram alegremente. Organizaram, receberam os convidados, explicaram seus trabalhos, coordenaram outros tantos e se apropriaram do espaço que construímos juntos.
Eu, que sou professor, fiquei exultante. Não brinquei de ser criança, por que sou adulto ao ser professor. Mas fui alegre, inteiro em meu trabalho.
No final da comemoração abracei a minha professora Ausônia, que é professora de todos lá na escola. Ela me disse que os alunos estavam trabalhando muito bem e que eu precisava dar o retorno a eles, me lembrou que eu precisava dizer a eles como estavam bem. Ela me disse também que eu estava trabalhando bem, me deu o retorno. Agradeci a meus alunos e disse a eles como estavam bem. Fiquei tão contente, isso sim é que é comemoração.
A professora Ausônia nos lembrou também do professor Maurício e de como ele estaria feliz em ver tudo aquilo. O professor Maurício que foi tão querido e que é sempre lembrado, faleceu no dia dos professores, o que faz desta data um dia ainda mais especial na escola onde eu trabalho.
Quando eu fui contratado para trabalhar nesta escola, minha tia, que havia sido aluna do Maurício me fez a seguinte declaração:
Mauro, você vai ter a sorte de dar aulas de ciências na escola onde trabalhou o melhor professor de ciências do mundo inteiro. Pena você não ter tido também a sorte de poder trabalhar com ele.
Me senti temeroso, teria que fazer justiça ao trabalho desse grande mestre, tão admirado.
Hoje trabalho na escola que o professor Maurício ajudou a construir e me sinto inteiro lá. Quando recebo as orientações da professora Ausônia e de todos os outros colegas e funcionários que conheceram ou não o Maurício, quando posso orientar meus alunos e dizer a eles que fizeram um bom trabalho não me sinto temeroso, me sinto parte de uma equipe. Me sinto parte de uma história que se constrói no tempo e no espaço como uma história de pessoas. 
Hoje sinto por não ter conhecido o professor Maurício e por não ter vivido o passado desta escola. Mas fico satisfeito por poder agradecer aos colegas e ser detentor junto com eles de uma tradição que se reconstrói com integridade. Penso agora, que ao fazer parte dessa construção coletiva, fazendo nosso trabalho de maneiras parecidas ou diferentes das que antes existiam, estamos todos fazendo mais do que justiça aos que iniciaram esta história. Ao realizarmos nosso trabalho intencionalmente e reflexivamente estamos fazendo o vínculo com o passado que possibilita que nossas crianças escolham, elas mesmas, o que será o futuro.
Considero que nossa comemoração de dia das crianças e professores, assim como todas as nossas atividades de afirmação do espaço coletivo da escola, acaba sendo uma forma de sacralizar o esforço dos que estiveram neste lugar antes de nós. Não necessitamos fazer justiça aos que não precisam ser justiçados, mas devemos agradecer a eles pela oportunidade que nos proporcionaram.
Assim sendo, digo feliz da vida:
Obrigado educadores, alunos e pais. Obrigado Colégio Equipe, feliz dia dos professores.

Marcenaria


Tava o meu avô ali
na bancada da marcenaria
comia bombom e me olhava com cara de bravo
o bombom era só dele e eu tinha roubado um
Hoje o bombom é só meu e eu conheço a alegria de ver
a boca do meu filho suja de chocolate.
Faço cara de bravo,
na bancada da marcenaria.

Cola Quente


Fui fazer uma maquininha de parar o tempo
me queimei com a cola quente
40 W
uma feridona
1o grau
Olhava pra ela e era um tempo que escorria
rápido, rápido, anos e anos.

Saiu um dia de sol na fazenda e eu com estilingue no pescoço
anoiteceu eu de lanterna
caçando rã e chamando de mafagafo
Quis segurar aqueles dias que escapavam pelo buraquinho do meu bíceps
mas sabia que não ia adiantar nada colocar a mão na ferida
chorei
feliz.

domingo, 25 de setembro de 2011

Ferramenta simples


Comprei uma chave de fenda.
Ferramenta poderosa.
Coloquei ela num pedestal, em evidência no quadro de ferramentas mais bonito do mundo.
Numa sala no fundo do porão
no templo da burguesia entretida. Lá eu faço fendas com ela.
Ela fura, pica e aperta parafusas. Ela fia, tece e costura tramas.
Podia estar satisfeito
mas a próxima chave de fenda, a verdadeira chave de fenda eu vou tirar da pedra.
Vou cozinhar o minério na lenha que eu cortei,
vou preparar o cabo da madeira de pau ferro,
da mata onde eu brincava.
Vou fazer ela pra não usar.
Vou passar a tarde toda olhando a chave de fenda.
Não tem buraco pra ela encaixar.

Autocontrole


Programei meu computador pra mandar em mim.
Ele sabe bem mais das coisas do que eu mesmo.
Ele acorda de manhã e diz que eu sou legal. Me passa conselhos interessantes de pessoas que eu não conheço. Meu computador é o amigo que eu sempre procurei.
Demorou pra programar o bichinho, mas ele funciona que é uma beleza.
Sempre que eu quero ouvir musica ele toca Beethoven. Eu queria Ramones, mas Beethoven é bem melhor.
Sempre que eu quero ler um livro ele escolhe Shakespeare. Eu queria ler o gibi, mas Shakespeare deixa minha mãe tão orgulhosa.
Meu computador tem um defeito só. Ele mora na minha casa. Eu saio na rua e ele fica lá.
O que será que ele planejou pra amanhã?

sábado, 18 de junho de 2011

Poderoso Wagner


Adoro trocar lâmpada, consertar torneira e pregar prateleiras. Resolver problemas cotidianos que envolvem conhecimentos de eletricidade, hidráulica, eletrônica ou até mesmo carpintaria é para mim uma espécie de premio de consolação por não ser capaz de consertar meu próprio carro ou construir minha própria casa. Me faz sentir autônomo, privilegiado por ser um homem urbano intelectualizado que ainda é capaz de realizar essas tarefas, até poucas décadas consideradas simplesmente “coisa de homem”. Me sinto macho pra caramba. Além disso, gosto de planejar essas atividades com elaboradas estratégias envolvendo conceitos de física. Dessa forma, para mim, trocar uma lâmpada se torna um jogo intrincado envolvendo auto afirmação, equações matemáticas e habilidade manual. Me dá muito prazer, mas me gerou uma grande frustração, nunca consegui instalar meu telefone.
Eu sei instalar telefone. Na verdade, inventei meu próprio método para realizar essa tarefa tão interessante e relativamente simples. Mas nunca consegui instalar minha própria linha. Tendo tudo planejado, equipamentos selecionados, tempo livre, encontro toda vez o mesmo obstáculo: a burocracia de pequeno poder dos condomínio de classe média paulistana se coloca entre mim e minha felicidade.
Da ultima vez que me mudei, pensei, mais uma vez, que conseguiria. Estava vindo para o centro, para um edifício cinquentão habitado pela fina flor da diversidade étnica e cultural. No epicentro da tolerância, onde a solidariedade dos excluídos impera (ou deveria), concluí que tudo seria diferente. Conseguiria finalmente realizar minha aptidão nata e exercer minhas potencialidades de físico-hipie aplicando meus conhecimentos teóricos sobre o mundo das partículas sub-atômicas à nobre arte da telefonia.

Sábado de manhã, grande dia. Estava tudo preparado: malinha com multímetro, alicate, fios, pilha de 1,5 V ligada ao ponto do meu apartamento (o coração de meu método) e mais uns detalhes técnicos que considero excitantes. A linha, vinda da rede externa, estava no quadro geral do edifício, conforme me informava a Telefônica no texto do boleto de cobrança que eu pagara na sexta-feira.
Desci e perguntei para o porteiro onde era o quadro de telefone. Fui tão senhor de mim ao formular a pergunta que ele nem pensou duas vezes, me levou para um quartinho cheio de chaves e quinquilharias e abriu um quadro de terminais da década de 40. Era a a coisa mais linda do mundo, com centenas de pininhos metálicos e fiozinhos passando de lá pra cá, tudo feito de latão oxidado e completamente desorganizado. Seria uma delícia desvendar aquele quebra cabeça.
A missão corria mais que perfeitamente, realizaria meu sonho com requintes de fetichismo nerd low tech. Fui testando os terminais um por um. A tarefa poderia demorar muitos minutos e eu desejava que levasse horas. Achei meu ponto em apenas 30 segundos, havia um papelzinho da Telefônica com o número do apartamento e do telefone do antigo inquilino. Uma facilidade nada romântica, mas não me abalei, faltava ainda identificar a linha que a Telefônica havia ligado ao quadro, para conectar os dois terminais. Eu tinha anotado o número da minha nova linha, mas em nenhum dos incontáveis papeizinhos pendurados no quadro pude encontrá-lo. Meu prazer se estenderia por tempo indeterminado.
Estava começando a elaborar uma estratégia mirabolante quando apareceu seu Antônio, o zelador:
- Quem deixou você entrar aí?
- Bom dia seu Antônio, foi o seu Zé que abriu o quadro pra mim.
- Morador não pode mexer no quadro de telefone.
- Por quê não?
- Tem que ser especialista.
- Eu sou, entendo do assunto, já instalei outras linhas (mentira).
- Mas tem que ter as ferramentas certas.
Abri a maleta e apontei minhas ferramentas:
- Qual dessas?
Seu Antônio apresentou um sorriso cínico:
- Quer dizer que você entende, né? Então me diz como é que vai  encontrar o terminal do seu apartamento.
Contei para o zelador que já tinha achado meu terminal e expliquei  em detalhes meu método original da pilha de 1,5 V. Não sei como ele não reconheceu minha genialidade, mas não pareceu nenhum um pouco interessado no que eu dizia.
- Mas não pode ser morador, tem que ser um profissional contratado, são normas do condomínio.
- Quer dizer que se eu contratar algum especialista que mora no prédio, ele não vai poder fazer a instalação.
- Você pode contratar quem você quiser, mas normalmente é o Wagner que faz esse serviço. Eu chamo ele e ele vem segunda instalar pra você.
- Sei seu Antônio, e quanto custa o Wagner?
- Não sei não, não é questão de dinheiro, mas você vai ter que sair daí.
- Poxa seu Antônio, falta só eu saber em qual terminal a telefônica plugou minha linha, o senhor sabe?
- Não sei não.
- Quem estava aqui no dia que a telefônica veio?
- O Jair, mas ele tá de férias. Chama o Wagner que ele resolve pra você baratinho.
- Se o senhor me der meia hora eu encontro o terminal e fica tudo belezinha. O Wagner vai receber o dele também, eu pago ele, mas quero resolver isso hoje mesmo.
- Não dá não, você tem que sair daí.
E assim, muito frustrado, pedi pro seu Antônio ligar pro Wagner e mandar instalar a linha. Subi pro meu apartamento destelefonado rangendo os dentes como um torcedor recém vice-campeão.
O Wagner veio duas semanas depois e não conseguiu encontrar o mesmo terminal que estava me atravancando. Parecia que Telefônica não tinha instalado a linha no quadro. Surgira uma esperança afinal, o especialista não resolveu a questão, será que eu poderia entrar em ação novamente? Teci fantasias de exultação. Agora sim eu seria feliz!
Liguei para a Telefônica, que insistiu categoricamente que o ponto estava no quadro geral devidamente identificado, mas concordou em repetir o procedimento gratuitamente. O técnicos vieram três dias depois.
Preparei o texto e expliquei pro seu Antônio que agora que o ponto estava identificado, eu conseguiria realizar a instalação sem problemas em menos de cinco minutos. Foi em vão o meu clamor. Seu Antônio foi inflexível. Era contratar o Wagner ou ficar sem telefone, pagando a conta. Preferi não me humilhar, repeti o pedido apenas cinco vezes.
O Wagner foi muito simpático. Gaúcho de Cachoeira, falava cantado e sorria o tempo todo. Não trazia nenhuma ferramenta. Veio no sábado, pra conseguir me encontrar em casa, e prestativamente testou, com o telefone da portaria, os pontos dentro do apartamento. Tudo funcionando, com aquele chiadinho. Normal, disse ele, instalação velha.
Me custou 60 reais e um copo d´água pra o Wagner fazer o que eu sei fazer, queria fazer e fiquei irritadíssimo por ter sido impedido de fazer. O custo psicológico, por outro lado, foi incalculável.

Postando este texto através do cabo de telefone, aliso meu multímetro e repito mentalmente: o conhecimento nos libertará, conhecimento é poder.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Vídeo-Clipe para Hermann Hesse




Uma menina galopa sorrindo um sorriso absurdo de bonito. Talvez tivesse até um dentinho lascado. É impossível saber qualquer coisa sobre o cavalo.
Um velho sentado na beira da estrada se ilumina com aquela imagem. A menina vem se aproximando rápida, mas parece que nunca chega, a cena se prolonga. Quando a proximidade permite, o velho lhe sorri e faz um cumprimento tocando a aba do chapéu. Então, o dia escurece e o velho tosse por causa de tanta poeira. O velho segue tossindo e chega a dar uma aflição, uma incerteza do que será daquele velho. Mas ele já ficou pequeno, lá atras na estrada.
A criança chega em casa, desmonta mas segue galopando. Se coloca parada diante da mãe, sabendo o que lhe espera. Apanha da mãe, que lhe despe e sai em silencio carregando suas roupas.
Alguns metros rio abaixo do poço onde a menina toma banho, linda, sua mãe chora de raiva lavando as roupas encardidas e rasgadas. A velha esboça um sorriso e murmura com prazer:
- Arruinadas, arruinadas.