sábado, 18 de junho de 2011

Poderoso Wagner


Adoro trocar lâmpada, consertar torneira e pregar prateleiras. Resolver problemas cotidianos que envolvem conhecimentos de eletricidade, hidráulica, eletrônica ou até mesmo carpintaria é para mim uma espécie de premio de consolação por não ser capaz de consertar meu próprio carro ou construir minha própria casa. Me faz sentir autônomo, privilegiado por ser um homem urbano intelectualizado que ainda é capaz de realizar essas tarefas, até poucas décadas consideradas simplesmente “coisa de homem”. Me sinto macho pra caramba. Além disso, gosto de planejar essas atividades com elaboradas estratégias envolvendo conceitos de física. Dessa forma, para mim, trocar uma lâmpada se torna um jogo intrincado envolvendo auto afirmação, equações matemáticas e habilidade manual. Me dá muito prazer, mas me gerou uma grande frustração, nunca consegui instalar meu telefone.
Eu sei instalar telefone. Na verdade, inventei meu próprio método para realizar essa tarefa tão interessante e relativamente simples. Mas nunca consegui instalar minha própria linha. Tendo tudo planejado, equipamentos selecionados, tempo livre, encontro toda vez o mesmo obstáculo: a burocracia de pequeno poder dos condomínio de classe média paulistana se coloca entre mim e minha felicidade.
Da ultima vez que me mudei, pensei, mais uma vez, que conseguiria. Estava vindo para o centro, para um edifício cinquentão habitado pela fina flor da diversidade étnica e cultural. No epicentro da tolerância, onde a solidariedade dos excluídos impera (ou deveria), concluí que tudo seria diferente. Conseguiria finalmente realizar minha aptidão nata e exercer minhas potencialidades de físico-hipie aplicando meus conhecimentos teóricos sobre o mundo das partículas sub-atômicas à nobre arte da telefonia.

Sábado de manhã, grande dia. Estava tudo preparado: malinha com multímetro, alicate, fios, pilha de 1,5 V ligada ao ponto do meu apartamento (o coração de meu método) e mais uns detalhes técnicos que considero excitantes. A linha, vinda da rede externa, estava no quadro geral do edifício, conforme me informava a Telefônica no texto do boleto de cobrança que eu pagara na sexta-feira.
Desci e perguntei para o porteiro onde era o quadro de telefone. Fui tão senhor de mim ao formular a pergunta que ele nem pensou duas vezes, me levou para um quartinho cheio de chaves e quinquilharias e abriu um quadro de terminais da década de 40. Era a a coisa mais linda do mundo, com centenas de pininhos metálicos e fiozinhos passando de lá pra cá, tudo feito de latão oxidado e completamente desorganizado. Seria uma delícia desvendar aquele quebra cabeça.
A missão corria mais que perfeitamente, realizaria meu sonho com requintes de fetichismo nerd low tech. Fui testando os terminais um por um. A tarefa poderia demorar muitos minutos e eu desejava que levasse horas. Achei meu ponto em apenas 30 segundos, havia um papelzinho da Telefônica com o número do apartamento e do telefone do antigo inquilino. Uma facilidade nada romântica, mas não me abalei, faltava ainda identificar a linha que a Telefônica havia ligado ao quadro, para conectar os dois terminais. Eu tinha anotado o número da minha nova linha, mas em nenhum dos incontáveis papeizinhos pendurados no quadro pude encontrá-lo. Meu prazer se estenderia por tempo indeterminado.
Estava começando a elaborar uma estratégia mirabolante quando apareceu seu Antônio, o zelador:
- Quem deixou você entrar aí?
- Bom dia seu Antônio, foi o seu Zé que abriu o quadro pra mim.
- Morador não pode mexer no quadro de telefone.
- Por quê não?
- Tem que ser especialista.
- Eu sou, entendo do assunto, já instalei outras linhas (mentira).
- Mas tem que ter as ferramentas certas.
Abri a maleta e apontei minhas ferramentas:
- Qual dessas?
Seu Antônio apresentou um sorriso cínico:
- Quer dizer que você entende, né? Então me diz como é que vai  encontrar o terminal do seu apartamento.
Contei para o zelador que já tinha achado meu terminal e expliquei  em detalhes meu método original da pilha de 1,5 V. Não sei como ele não reconheceu minha genialidade, mas não pareceu nenhum um pouco interessado no que eu dizia.
- Mas não pode ser morador, tem que ser um profissional contratado, são normas do condomínio.
- Quer dizer que se eu contratar algum especialista que mora no prédio, ele não vai poder fazer a instalação.
- Você pode contratar quem você quiser, mas normalmente é o Wagner que faz esse serviço. Eu chamo ele e ele vem segunda instalar pra você.
- Sei seu Antônio, e quanto custa o Wagner?
- Não sei não, não é questão de dinheiro, mas você vai ter que sair daí.
- Poxa seu Antônio, falta só eu saber em qual terminal a telefônica plugou minha linha, o senhor sabe?
- Não sei não.
- Quem estava aqui no dia que a telefônica veio?
- O Jair, mas ele tá de férias. Chama o Wagner que ele resolve pra você baratinho.
- Se o senhor me der meia hora eu encontro o terminal e fica tudo belezinha. O Wagner vai receber o dele também, eu pago ele, mas quero resolver isso hoje mesmo.
- Não dá não, você tem que sair daí.
E assim, muito frustrado, pedi pro seu Antônio ligar pro Wagner e mandar instalar a linha. Subi pro meu apartamento destelefonado rangendo os dentes como um torcedor recém vice-campeão.
O Wagner veio duas semanas depois e não conseguiu encontrar o mesmo terminal que estava me atravancando. Parecia que Telefônica não tinha instalado a linha no quadro. Surgira uma esperança afinal, o especialista não resolveu a questão, será que eu poderia entrar em ação novamente? Teci fantasias de exultação. Agora sim eu seria feliz!
Liguei para a Telefônica, que insistiu categoricamente que o ponto estava no quadro geral devidamente identificado, mas concordou em repetir o procedimento gratuitamente. O técnicos vieram três dias depois.
Preparei o texto e expliquei pro seu Antônio que agora que o ponto estava identificado, eu conseguiria realizar a instalação sem problemas em menos de cinco minutos. Foi em vão o meu clamor. Seu Antônio foi inflexível. Era contratar o Wagner ou ficar sem telefone, pagando a conta. Preferi não me humilhar, repeti o pedido apenas cinco vezes.
O Wagner foi muito simpático. Gaúcho de Cachoeira, falava cantado e sorria o tempo todo. Não trazia nenhuma ferramenta. Veio no sábado, pra conseguir me encontrar em casa, e prestativamente testou, com o telefone da portaria, os pontos dentro do apartamento. Tudo funcionando, com aquele chiadinho. Normal, disse ele, instalação velha.
Me custou 60 reais e um copo d´água pra o Wagner fazer o que eu sei fazer, queria fazer e fiquei irritadíssimo por ter sido impedido de fazer. O custo psicológico, por outro lado, foi incalculável.

Postando este texto através do cabo de telefone, aliso meu multímetro e repito mentalmente: o conhecimento nos libertará, conhecimento é poder.

2 comentários:

  1. Adorei os termo "nerd-low tech", "torcedor recém vice-campeão"...
    Já tinha ouvido a história, mas adorei ler de novo, assim tão bem escrita!

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